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“O Brasil vive uma falsa crise”

O economista Paulo Rabello de Castro assumiu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no final de junho deste ano, depois que a ex-presidente Maria Silvia Bastos Marques pediu demissão. “São dois meses que equivalem a dois anos, no novo calendário bndessiano, pois queremos fazer seis anos em seis meses”, diz ele. Nesse período, Rabello de Castro mostrou que não tem medo de colocar o dedo em feridas. Primeiro, pediu calma àqueles que defendem a troca da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP). Nesta entrevista, ele explica os motivos pelos quais a TJLP não é um juro subsidiado e deve ser mantida. Além disso, ele coordenou um trabalho de revisão das operações do BNDES nos últimos 15 anos, que foi chamado de “Livro verde: nossa história como ela é”. O resultado foi surpreendente, pois mostrou que o banco não privilegiou poucas empresas nem apenas os grandes grupos, os chamados “campeões nacionais”. Na entrevista a seguir, o presidente do BNDES fala sobre política, economia e, claro, eleições.

DINHEIRO – O Brasil está saindo da crise?

PAULO RABELLO DE CASTRO – Não só o Brasil está saindo da crise, como a crise que resta é artificial. Alguém poderia exagerar e dizer que é uma falsa crise, porque é a parte que os brasileiros impõem a si, na medida em que gastam demais. Portanto, eles ainda não enfrentaram o ajuste final, ou seja, o ajuste de contas que tem de ser feito no próprio setor público. É apenas um enfrentamento parcial, por enquanto. E também é preciso enfrentar os dois grandes eixos do estrangulamento econômico nacional: o manicômio tributário e o juro alto demais, incluindo a generalização dos subsídios existentes como contrapesos a esses juros altos. Aliás, os subsídios são respostas capengas a uma estrutura de juros artificialmente engendrada. Depois disso estaremos num novo Brasil, que é como um remédio que você toma e que faz você sentir o bem que você deveria estar sentindo, embora não esteja porque o mal-estar é indefinido. Essa é a falsa crise.

DINHEIRO – O fato de ter o País ter mais de US$ 380 bilhões em reservas cambiais é uma garantia?

RABELLO DE CASTRO – A crise é falsa no sentido que o Brasil é, de fato, essa potência que um dia a gente sonhou que existia e que hoje a gente tem certeza que não existe. A nossa neurose é essa certeza. É uma síndrome de pânico. Estamos com pânico de futuro, não queremos enfrentar o futuro. Isso só se resolve em 2018, em última análise. Mas eu creio que o governo Michel Temer, nesse sentido, é um belo São João Batista dessa revelação que vai ser o Brasil apresentado para si mesmo no seu imenso potencial, na medida em que for passado a limpo no processo eleitoral.

DINHEIRO – Que papel é esse do presidente Temer?

RABELLO DE CASTRO – É um papel de João Batista, para muita gente não dizer que ele virou santo e criar mais esse patrulhamento. Quero dizer que é aquele que vem preceder o processo de cura. É ponte, transição, pinguela, pontilhão, ou seja, é um conjunto inicial de providências, do qual a PEC do Teto é uma providência, ainda que percebamos que, agora, com esse resistente déficit, é uma resposta parcial. Tem que ter uma resposta complementar à PEC do Teto. A resposta da Reforma Trabalhista é importantíssima. A da Previdência tem de ser complementada.

DINHEIRO – O sr. acredita que ela sai?

RABELLO DE CASTRO – Se não sair é porque ela tem de ser complementada e ficar mais radical na próxima rodada. O Brasil do futuro tem de decidir se pega nesta ou pega mais firme mais adiante.

DINHEIRO – E a Reforma Tributária?

RABELLO DE CASTRO – O deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) está com um relatório para ser lido na comissão da reforma a qualquer momento. E além da Tributária, nós precisamos encarar uma Reforma Financeira no País, que diz respeito justamente a ampliar esse debate que hoje existe de modo restrito entre a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) e Taxa de Longo Prazo (TLP). É uma bela oportunidade para debatermos o que precisa ser debatido.

DINHEIRO – A TJLP não é juro subsidiado?

RABELLO DE CASTRO – Não, na realidade ela não é subsídio na hora em que a gente faz a conta da operação ativa do BNDES e de todas as entidades que trabalham com TJLP. Porque ninguém sai pela porta do banco com TJLP “careca”. O mutuário sai do banco devendo a TJLP mais a taxa de remuneração do BNDES mais a sua taxa de risco. Como os clientes são muito bem escolhidos, como qualquer banco criterioso tem de fazer, a grande maioria dos recursos emprestados voltam ao banco engordados com a taxa do banco e mais a taxa de risco, além de tributos, que são recolhidos à União, dividendos e mais IOF. É o único banco do mundo que trabalha sem imunidade tributária. Portanto, ao se devolver isso tudo para a União, é o conjunto desses recursos liquidamente apurados que criam, eventualmente, uma taxa de fomento.

O ministro Henrique Meirelles discute com equipe do governo a importância da aprovação da Reforma da Previdência(Crédito:Marcelo Camargo/Agência Brasil)

DINHEIRO – Mas a comparação entre TJLP e Selic mostra um desencontro, não?

RABELLO DE CASTRO – É preciso comparar a TJLP com uma taxa de juros neutra, que nem sempre tem sido a Selic. Em momentos de estresse financeiro, a Selic tem sido uma taxa defensiva. Uma taxa que o Copom, por motivos bem razoáveis, pratica acima do que seria o inefável e pouco conhecido ponto de equilíbrio da taxa de juros básica. Essa taxa de juros dita neutra, uma vez calculada com base, vamos dizer assim, no custo financeiro internacional, esse, sim o custo verdadeiro, mais a taxa de risco do Brasil, mais um coeficiente de desvalorização monetária do real. Esse conjunto constituiria uma taxa neutra sobre a qual temos de calcular se a Selic está acima ou abaixo dela. Na medida em que a Selic esteja acima da taxa neutra, eu diria que a maneira mais cartesiana, mais liberal, mais Milton Friedman de fazer a conta, é pegar de um lado a taxa neutra e cotejar com a taxa ativa do BNDES. E aí vamos ver se essas taxas estão casadas ou não.

DINHEIRO – Isso significa que a TJLP é lucrativa?

RABELLO DE CASTRO – Dentro desse contexto, eu arriscaria dizer que o coeficiente de fomento efetivo do BNDES é por vezes positivo e por vezes até negativo. Enfim, o banco pode estar até um pouco por cima da curva de taxa de juro neutra, um coeficiente até negativo, pois está cobrando mais do que seria o custo de oportunidade para a União. Mas às vezes pode estar abaixo. Em um único momento, esse fomento esteve exagerado. Virou subsídio implícito na veia durante um período em que se praticou o Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Mesmo assim, é preciso separá-lo em dois. Um em que ele se justificava, porque vivíamos uma crise internacional sem precedentes e o Brasil entrou fazendo o que todos os países do mundo faziam coordenadamente. Se não fizesse, estaria fora até do G20. Era para todo mundo fazer em 2009, 2010 e, admita-se, com um respingo para 2011. O que se fez, talvez com alguma propensão eleitoreira, em 2012, 13 e 14 é outra história. Realmente pode-se dizer que explodiu o custo desse programa, que não é do BNDES. É um programa que o BNDES aplicou como resultado de uma política de governo, que não está mais no Poder.

DINHEIRO – A agenda econômica vai dominar as eleições de 2018?

RABELLO DE CASTRO – Não, é a agenda política mesmo. A agenda econômica está ancorada nessas duas grosseiras distorções que, uma vez removidas, vão dar para o Brasil um panorama de campeão, que são uma reforma financeira, para normalizar a taxa de juros no Brasil, e a extirpação desse câncer chamado manicômio tributário. Nesse sentido, o governo Temer pode ser um elemento precedente, que não está esperando o processo eleitoral. Razão talvez de ele ter esse grau de resistência dentro da impopularidade, que às vezes a gente não sabe bem o porquê que vai tolerando, mas vai. A gente fica feliz que ele tem uma pauta que o torna, se não “gostável”, pelo menos aceitável.

Depoimento do ex-presidente Lula ao juiz Sérgio Moro, em 10 de maio deste ano, em um dos processos da Lava Jato(Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – Mas há 14 milhões de desempregados precisando da recuperação da atividade econômica.

RABELLO DE CASTRO – Creio que uma preocupação do eleitorado em 2018 é de fato encontrar a alma do Brasil. Um projeto de País, de nação. Não está vinculado à economia, está vinculado a valores como a ética no comportamento individual, depois no comportamento familiar. Não significa nenhuma carolice, mas cada um dos brasileiros assumir sua própria responsabilidade. Além disso, tem o plano ético. Então, a principal bandeira é uma ética que seja não só individual, mas familiar, corporativa e principalmente pública. Esse é o País que vamos fazer. E algumas candidaturas têm de se apresentar com essa bandeira. Além do que, acho que pela primeira vez temos de tomar uma atitude, de fato, a favor de três Es: ética, emprego e empresas. A empresa como sendo o dínamo que move o processo, porque ela é um coletivo. Não é só o dono, são os colaboradores, mesmo na empresa pública. Empregos no sentido coletivo, também. Nós temos enfrentar esses 14 milhões de pessoas sem trabalhar, que numa leitura informal dos desalentados, no IBGE vai a quase 25 milhões. Teria um quatro E, que é a excelência.

DINHEIRO – O que seria essa excelência?

RABELLO DE CASTRO – O Brasil precisa criar um pacto no sentido de entregar o melhor em tudo, não importa a atividade. Se cada um fizer isso, imagino que o salto da produtividade no princípio desse ciclo de retomada possa ser de 2% a 3% ao ano, o que garante um pequeno milagre. Porque sem adicionar nem trabalho, nem capital, o País passaria a crescer mais do que pensam os economistas convencionais, esses sim os grandes sócios da crise falsa. São aqueles que ficam reproduzindo para o futuro, com base em dados do passado, o que o Brasil tenderá a ser em razão de suas impossibilidades presentes. Repudio esses economistas todos.

DINHEIRO – Por todos esses motivos, a agenda econômica parece ser muito importante.

RABELLO DE CASTRO – Nada substitui uma liderança de governo, porque somos uma nação, que tem lideranças. Não é só o sujeito que está sentado no Alvorada ou no Jaburu. São também aqueles que estão sentados na ponta da mesa de qualquer família. Hoje, o conceito de chefia se esfumaçou. O professor na escola, por exemplo. Ele entra na sala e não sabe se vai conseguir dar aula. Temos que pactuar se o professor vai dar aula ou não. Por isso digo que a discussão de 2018 é uma outra discussão, que diz respeito às atitudes do brasileiro perante si. A bandidagem, isso tudo é um reflexo, em grande medida, salvo o crime organizado, de uma facilidade para praticar o mal. Esse mal é prestigiado na televisão todos os dias. Não significa dizer que a gente vai fazer programas carolas para que a gente tenha uma sociedade estimulada apenas pelo azul celeste. Já temos a agressiva realidade do dia a dia saltando aos nossos olhos e se enfiando na nossa carne, com bala perdida. Então não precisamos de mais realismo, precisamos de mais idealismo.

DINHEIRO – Qual é o saldo desses dois meses na presidência do banco?

RABELLO DE CASTRO – Dois meses equivalem a dois anos, no novo calendário bndessiano. Como queremos fazer seis anos em seis meses, estamos atrasados até em algumas coisas. Já lançamos o canal do desenvolvedor e no final de agosto vamos lançar o BNDES online. Para completar o tripé de ajuda a micro, pequena e média empresa, haverá a digitalização e a interiorização do crédito via cartão, um novo cartão BNDES. Porque o antigo gerou muito inadimplemento, misturado com a gravidade da crise, o que obviamente gerou muita decepção entre os operadores do cartão, principalmente o melhor parceiro nosso, que é o Banco do Brasil, que neste caso sofreu um diabo com esse cartão. Mas eu e o presidente Paulo Caffarelli, do BB, estamos acertados para renovar as bases do cartão e antes do final do ano certamente o Ministério do Planejamento, muito bem dirigido pelo ministro Dyogo Oliveira, vai lançar as bases do novo cartão.

DINHEIRO – Com esse novo cartão o juro vai cair?

RABELLO DE CASTRO – O juro tem de cair dentro e fora do cartão. A regra, a palavra de ordem, é juro para baixo. Não existe um juro real ideal. Na realidade, o que precisa, hoje, é olhar o mundo para dar essa resposta. Mais uma vez temos de parar de criar jabuticabas no Brasil. A gente tem de ter um padrão internacional de fazer bem as coisas, que na área da administração privada já se chama melhores práticas, na área da administração pública é a governança, que o TCU já está cobrando. E uma melhor prática hoje, no campo financeiro, seria praticar taxas brasileiras que estivesse bastante aderidas, dado o risco de cada tomador, às taxas internacionais. Daí a necessidade de uma Reforma Financeira. Qualquer coisa acima desse padrão internacional deveria nos aquietar. A gente deveria estar incomodado. Essa é a maneira de a gente vencer essa crise que se torna falsa, na medida em que o potencial do Brasil está aí na nossa frente. Somos um país com reservas internacionais beirando US$ 400 bilhões, mas mais que dinheiro em caixa, que temos muito, temos um agronegócio com o poder de exportar e de gerar saldos internos, tanto em renda como em comida. É o maior programa Fome Zero do mundo. É o que a agricultura faz de modo anônimo. E tudo isso nos coloca como um dos países mais favorecidos. Se somarmos a isso que o sistema financeiro sai dessa imensa crise praticamente ileso e com recursos em caixa, vamos dizer sem papas na língua, isso é tudo o que o País precisa para dar o seu salto produtivo nas áreas mais sofredoras, que são a indústria manufatureira e o setor de serviço, que sofre menos por falta de ânimo, porque ali tem muito empreendedorismo anônimo, mais de 10 milhões, principalmente de microempreendedores individuais, mas por falta de produtividade no que fazem. É aí que vem a evolução do crédito na qual o BNDES está associado. Nós temos de ampliar o nosso desembolso no BNDES em, pelo menos, R$ 20 bilhões de hoje até os próximos 12 meses.

DINHEIRO – O sr. se surpreendeu com o resultado do Livro verde, que faz uma profunda avaliação do trabalho do banco?

RABELLO DE CASTRO – Sim, por dois motivos. O primeiro foi a celeridade do trabalho da equipe, que teve pouco tempo para escrever e revisar. As onze equipes que estiveram envolvidas tiveram cerca de 20 dias para descrever os processos e os seus produtos. Ninguém teve como florir ou inventar algo. Por isso, o conjunto do Livro verde é bastante positivo. Já é um banco com uma interiorização grande e voltado para a inovação. O segundo motivo é a surpresa externa que causou. Quem se deu o trabalho de ler, porque nem todos leram o material completo, viu um banco diferente do pré-conceito de ser um banco voltado somente aos grandes grupos econômicos, de poucas operações ou outros pontos pré-estabelecidos. Quando se pega a realidade pura, não era nada disso. Então, foi um trabalho técnico e isento. O BNDES tem um comportamento banqueiro, de correr riscos calculados e fazer um trabalho que resulta em retornos lucrativos.

DINHEIRO – O BNDES está para divulgar o resultado de uma apuração interna sobre os empréstimos. Por que o banco tomou esse caminho?

RABELLO DE CASTRO – Esse é um levantamento sobre procedimentos envolvidos em polêmicas, tanto de operações policiais como da Lava Jato. O banco não pré-identificou nenhum ato falho. A auditoria interna foi uma maneira de o banco não se encolher. A presidente Maria Silvia criou a Comissão de Apuração Interna (CAI) e, até aqui, há uma indicação de que a bola vai voltar super-redonda, ou seja, que os responsáveis pelas operações foram operacionalmente corretos no que fizeram.

DINHEIRO – Há quem diga que a Maria Silvia havia assumido para fechar o banco.

RABELLO DE CASTRO – Nunca teve nada disso, nem nos piores desvarios. Não seria correto alguém entrar com uma agenda oculta dessa natureza. Quando, politicamente, se quer fechar uma instituição se põe um liquidante e não um presidente.

Fonte: http://www.istoedinheiro.com.br/o-brasil-vive-uma-falsa-crise/

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